O poeta e o taberneiro
"Outra história que recordo com emoção é a do poeta andaluz Pedro Garfias, que foi parar no desterro no castelo de um lorde da Escócia. No castelo estava sempre só, e Garfias, andaluz inquieto, ia todo dia à taberna do condado e silenciosamente, pois não falava inglês, mas apenas um espanhol gitano que eu mesmo não entendia, bebia melancolicamente sua solitária cerveja. O mudo freguês chamou a atenção do taberneiro. Certa noite, já quando todos os freqüentadores tinham ido embora, o taberneiro rogou que ele ficasse e continuaram bebendo em silêncio junto ao fogo da lareira, que crepitava e falava pelos dois.
Tornou-se um rito este convite. Cada noite Garfias era acolhido pelo taberneiro solitário como ele, sem mulher e sem família. Pouco a pouco suas línguas se soltaram. Garfias contava-lhe toda a guerra da Espanha com interjeições, com juramentos, com imprecações muito andaluzas. O taberneiro escutava-o em silêncio religioso sem entender naturalmente uma só palavra.
Por sua vez o taberneiro começou a contar suas desventuras, provavelmente a história de sua mulher que o abandonou, provavelmente a proeza dos filhos cujos retratos de uniforme militar adornavam a chaminé. Digo provavelmente porque, durante os longos meses que duraram estas estranhas conversas, Garfias tampouco entendeu uma palavra.
No entanto, a amizade dos dois homens solitários que falavam apaixonadamente cada um de seus assuntos e em seu idioma, inacessível para o outro, foi aumentando. E os encontros a cada noite e a conversa até o amanhecer converteram-se numa necessidade para ambos.
Quando Garfias teve que partir para o México despediram-se bebendo e falando, abraçando-se e chorando. A emoção que os unia tão profundamente era a separação de suas solidões.
– Pedro - disse muitas vezes ao poeta - que acha que ele lhe contava?
– Nunca entendi uma só palavra, Pablo, mas quando eu o escutava tive sempre a sensação, a certeza de compreendê-lo. E quando eu falava estava certo de que ele também me compreendia.”
Trecho de "Um general e um poeta", extraído de "Confesso que Vivi", livro de memórias do poeta chileno Pablo Neruda (Círculo do Livro* – São Paulo, pág. 151)
* Na edição publicada pelo Círculo do Livro sob licença da Difel Difusão Editorial S.A. não encontrei a indicação do ano de publicação. No entanto, creio que seja 1978 ou 1979. Primeiro porque encontrei na internet a indicação de que a edição da Difel data de 1978; segundo porque encontrei dentro do livro que está comigo - edição do Círculo, que peguei na biblioteca do trabalho – um volante do teste 475 da Loteria Esportiva apurado nos dias 29 e 30/12/79.
Tornou-se um rito este convite. Cada noite Garfias era acolhido pelo taberneiro solitário como ele, sem mulher e sem família. Pouco a pouco suas línguas se soltaram. Garfias contava-lhe toda a guerra da Espanha com interjeições, com juramentos, com imprecações muito andaluzas. O taberneiro escutava-o em silêncio religioso sem entender naturalmente uma só palavra.
Por sua vez o taberneiro começou a contar suas desventuras, provavelmente a história de sua mulher que o abandonou, provavelmente a proeza dos filhos cujos retratos de uniforme militar adornavam a chaminé. Digo provavelmente porque, durante os longos meses que duraram estas estranhas conversas, Garfias tampouco entendeu uma palavra.
No entanto, a amizade dos dois homens solitários que falavam apaixonadamente cada um de seus assuntos e em seu idioma, inacessível para o outro, foi aumentando. E os encontros a cada noite e a conversa até o amanhecer converteram-se numa necessidade para ambos.
Quando Garfias teve que partir para o México despediram-se bebendo e falando, abraçando-se e chorando. A emoção que os unia tão profundamente era a separação de suas solidões.
– Pedro - disse muitas vezes ao poeta - que acha que ele lhe contava?
– Nunca entendi uma só palavra, Pablo, mas quando eu o escutava tive sempre a sensação, a certeza de compreendê-lo. E quando eu falava estava certo de que ele também me compreendia.”
Trecho de "Um general e um poeta", extraído de "Confesso que Vivi", livro de memórias do poeta chileno Pablo Neruda (Círculo do Livro* – São Paulo, pág. 151)
* Na edição publicada pelo Círculo do Livro sob licença da Difel Difusão Editorial S.A. não encontrei a indicação do ano de publicação. No entanto, creio que seja 1978 ou 1979. Primeiro porque encontrei na internet a indicação de que a edição da Difel data de 1978; segundo porque encontrei dentro do livro que está comigo - edição do Círculo, que peguei na biblioteca do trabalho – um volante do teste 475 da Loteria Esportiva apurado nos dias 29 e 30/12/79.
Marcadores: Contos
3 Comments:
At 26 de novembro de 2007 às 13:42, Marcos Bonilha said…
Muito bom Camilo!
At 28 de novembro de 2007 às 10:38, Vivi said…
Putz, Camilo. Fazia séculos que não passava por aqui. Estava em um período sabático. enfim, lindo o seu filho, tem os olhos do pai. E, como eu não te conheço, este comentário foi tosco. Aliás, estava pensando. Antes de acabar o ano, podíamos fazer um encontro de blogs, né. Te "conheço" desde 2005...
O texto está ótimo, viu? Parabéns.
At 1 de dezembro de 2007 às 10:14, Anônimo said…
VIVI, seria uma boa! Dois anos de amizade já! Só não sei se a barriga da Minha Querida vai deixar.
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